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Tuesday, February 21, 2006

 

O LUGAR DA MEMÓRIA, A MEMÓRIA DE UM LUGAR

Para que serve a literatura? Uma das primeiras respostas a essa pergunta é: para lembrar. Para não deixar perder. Para evitar a ameaça do esquecimento inevitável, que recai sobre todas as formas da experiência humana não-registradas. A história, a iconografia, as imagens fotografadas ou filmadas, e mesmo a preciosa tradição oral, não suprem o que só a literatura pode dar: o gosto inconfundível da memória consolidada e artisticamente reinventada por quem viveu. É por isso que nem a consulta aos livros de História, nem as fotografias e filmes referentes ao Brasil da primeira metade do século 20 nos dão uma idéia tão precisa e completa dessa época quanto a que recebemos - por exemplo - da obra memorialista de Pedro Nava. O primeiro texto escrito em terras brasileiras é memória, registro e também literatura fundadora: a carta de Pero Vaz de Caminha, matriz que nenhum escritor pode ignorar. Acrescente-se a esse dado o eterno problema, que de tão mencionado já virou chavão: o Brasil é um país sem memória. Historiadores, sociólogos e outros profissionais da área de Ciências Humanas podem preencher parte dessa lacuna. Muitos deles, entretanto, já reconhecem que nas trajetórias individuais, no depoimento de pessoas que muitas vezes passam à margem dos livros de História, oculta-se boa parte de nossa memória. Somos todos repositários do que já passou. Do aposentado que toma café na padaria ao garoto de skate, passando pela executiva apressada a caminho do trabalho, todos temos histórias a contar. E é curioso notar o quanto essas histórias se misturam com a da cidade e do país. Intersecções da História com letra maiúscula com a história pessoal do dia-a-dia: da atividade industrial no ABC com recordações da Cidade da Criança; das matinês de infância com a breve e fulgurante carreira de Companhia Cinematográfica Vera Cruz; da instalação do ensino público em São Bernardo com as memórias da menina orgulhosa de estudar no João Ramalho... Nessas esquinas trabalhamos nós, da Oficina de Literatura Memorialista realizada aqui no Espaço Troca-Livros da Secretaria da Educação de São Bernardo, no segundo semestre de 2005. Além de textos clássicos do memorialismo brasileiro - o Baú de Ossos de Pedro Nava, o Minha Vida de Menina de Helena Morley, o Feliz Ano Velho de Marcelo Rubens Paiva - também visitamos clássicos estrangeiros como o Recordações da Casa dos Mortos de Fiódor Dostoiewski. Além disso, nos divertimos e nos emocionamos com o recentemente traduzido Achei que meu pai fosse Deus - belo mosaico de textos memorialistas de pessoas comuns, coordenado pelo escritor americano Paul Auster. Mais do que as leituras em classe, entretanto, ficarão na minha lembrança as sessões de trocas de lembranças: "Lembra aquele prédio onde antigamente era tal fábrica?" "Se me lembro! meu tio trabalhava ali..." Dessas memórias, reunidas nos belos textos desse livro, emerge um retrato de uma cidade - São Bernardo - e de uma região - o ABC paulista - que, como poucas, contribuiu para o crescimento da economia e para a evolução política do país; e que, agora, nesses tempos bravos que atravessamos, espera recompensas à altura de sua contribuição. Lidos, comentados e reformulados exaustivamente em nossos encontros, estes textos dão uma pequena porém significativa contribuição a esse espaço de reconstituição hoje tão precioso: a memória. Sem memória, restamos cacos fragmentados de homens e mulheres, atropelados pelo processo de apagamento de identidades cada vez mais veloz do mundo globalizado. Um olhar afetuoso à literatura, um olhar amoroso à cidade de São Bernardo do Campo: é assim que se constituiu essa oficina, e assim foram elaborados os textos dessa publicação. Este fanzine é, portanto, não apenas o produto final de nosso trabalho, mas também um presente à cidade e à região.

 

POR ONDE ANDARÁ MEU TIO SINÉSIO?

*Hildebrando Pafundi

Na verdade, o que vou contar agora ocorreu com meu Tio Sinésio, que morava vizinho à nossa casa, em uma cidade do interior de São Paulo. Embora tenha ocorrido há mais de quinze anos, ainda permanece em minha memória.
Aos quinze anos de idade eu era um adolescente muito curioso, metido a detetive, influenciado – quem sabe – pelos gibis. Os livros não eram minha paixão, achava-os chatos e cansativos; somente os lia quando era obrigado pela professora. Preferia as histórias em quadrinhos. Afortunadamente, com o passar do tempo, mudei de opinião; passei a ler livros, em especial os policiais, e não quis mais saber de gibis.
Esse meu tio era misterioso; estava casado com tia Laura, a irmã mais velha de meu pai, e não tinham filhos. Talvez fosse esse o motivo de sua falta de preocupação com a casa. Meu pai, ao contrário dele, tinha a responsabilidade de pagar as contas e colocar comida em casa para a família: minha mãe, sua mulher, e os filhos. Éramos três – dois meninos e uma menina – eu era o mais velho. Ele dois anos mais novo e ela três. Mas esses detalhes não são importantes agora.
O que realmente importa nessa história é que meu tio Sinésio às vezes desaparecia por um ou dois dias. Certa vez, chegamos a pensar que não voltaria mais, pois ausentou-se por uma semana.
Decidi então fazer o papel de detetive amador. Tentei segui-lo algumas vezes; no entanto, ele sempre me ludibriava. Durante aquela semana fiz minhas investigações, sem êxito.
Sem dar muitas explicações, como de praxe, ele voltou repentinamente. Disse que estava viajando a trabalho. Podia até ser verdade, mas minha tia achava que havia outra mulher na vida dele. Isso nunca ficou provado.
Porém, em um dia qualquer, ele desapareceu para sempre. Não tivemos mais noticias. Quem sabe tenha morrido tragicamente – assassinado pelo pai de alguma jovem ludibriada ou por algum marido traído ou ciumento; ou talvez assaltado e morto numa dessas viagens misteriosas. E os bandidos podiam muito bem ter levado também os documentos, e ele poderia ter sido sepultado como indigente.
A família toda – inclusive eu - procuramos nas delegacias de policia, nos hospitais e necrotérios. Colocamos inclusive anúncio no jornal e na rádio. Nem sinal de tio Sinésio. Muitos membros da família e amigos mais íntimos já o consideravam morto.
Minha tia Laura estava indignada. Nem tanto pelo desaparecimento do marido, que talvez nem amasse mais, mas pela ausência de noticias. Difícil não saber se era viúva ou mulher abandonada. Se meu tio Sinésio estivesse realmente morto, ela teria direito à pensão, bastava dar entrada nos papéis. Dirigiu-se à empresa onde ele trabalhava e para sua surpresa informaram que ele fora demitido por abandono do emprego. Faltara por mais de trinta dias sem qualquer justificativa. O sumiço ficou ainda mais misterioso, depois dessa revelação.
Hoje já estou com trinta anos de idade e trabalho no comércio. Minhas aspirações a detetive acabaram com os meus sucessivos fracassos de desvendar os temporários desaparecimentos meu tio Sinésio, até ele sumir definitivamente de nossas vidas.
Acredito que esta história teria final aterrorizante; não ficaria assim tão banal, se eu tivesse continuado e obtido êxito nas minhas fracassadas investigações...

Friday, February 17, 2006

 

São Bernardo do Campo: Tecendo e Filmando Sonhos

São Bernardo do Campo: Tecendo e Filmando Sonhos Helena Santos de Moura


São Bernardo do Campo é sempre referida como a cidade do móvel e do automóvel.

Entretanto, se nos aprofundarmos nas suas raízes vamos encontrar, tal qual Alice no País das maravilhas, um mundo rico de histórias e encantamentos que não está ligado, somente, à produção do móvel e do automóvel. Está, sim, ligado à magia das atividades das moiras tecedeiras do destino, da mitologia grega, e à tela mágica dos irmãos Lumiére.

E então perguntar-se-á :

- E o que tem a ver São Bernardo do Campo com as moiras tecedeiras, da mitologia grega, e com a tela mágica dos irmãos Lumiére, considerada a oitava maravilha do mundo?

O que se poderá responder é que São Bernardo do Campo, considerada a cidade do móvel e do automóvel, também já apresentou uma contribuição significativa na economia nacional através da produção de tecidos. Assim como teve também o seu nome projetado no cenário brasileiro através da produção de filmes inesquecíveis e de comprovada qualidade artística.

A produção de tecido, do móvel e a produção cinematográfica, na cidade de São Bernardo do Campo, conviveram na época da primeira metade do século XX, período esse que se configurou na fase de ouro da expansão da indústria brasileira e ascensão da burguesia nacional.

Na segunda metade do século XX, porém, alcançou a cidade de São Bernardo do Campo a expansão do capitalismo internacional através das montadoras de automóveis.

E na balança da economia, então, entra em ascensão a importância das montadoras de automóveis, enquanto declina, a indústria de tecidos e, em menor escala, a indústria de móveis. A indústria do cinema, por sua vez, extingue-se, deixando, somente, a memória.



O Tecido e o Sonho


Quem avista um pavilhão no centro de São Bernardo do Campo, próximo ao Paço Municipal e que hoje abriga um importante Centro de Cidadania denominado Sedesc, não pode imaginar o que essa importante construção já representou para a História econômica de São Bernardo do Campo, e não pode vislumbrar que ali já houve a fábrica de tecidos ELNI, que funcionou nas décadas de 1940, 1950, 1960, até 1970. Tanto essa indústria têxtil, a ELNI, como a Pelosini, a Tognato e outras tecelagens, contaram com o trabalho de mãos habilidosas para tecer e cabeças repletas de sonhos a realizar.

E, enquanto teciam tecidos nos teares, teciam sonhos na imaginação.

Sonhos simples: de estudar, de namorar, de casar; de construir uma casa, de formar o seu lar e a sua família.

Eram esses artesãos e sonhadores que, juntamente com outros sonhadores de outros fazeres de artes e ofícios, expandiriamm a cidade de São Bernardo do Campo e projeta-lá na cenário nacional.


A Fábrica de Sonhos


Quem passa pelo prédio da Prefeitura Municipal de São Bernardo do Campo e vai subindo a avenida que é, hoje, denominada Lucas Nogueira Garcez, e que atravessa um bairro nobre de nome Jardim do Mar, há de avistar um imenso pavilhão que, a principio, parece um pouco abandonado - o Vera Cruz. Esse pavilhão já abrigou a maior fábrica de sonhos do Brasil, a partir do final da década de 1940.

Dizem que os “iluminados” que têm o poder de entrar no antigo mundo ou em mundos paralelos, quando passam, a noite, próximo ao pavilhão Vera Cruz, conseguem vislumbrar o ator Milton Ribeiro travestido de Lampião, galopando com seus "cabras" nas filmagens de O Cangaceiro. Ou ainda, ver o ator Anselmo Duarte encenando Zéquinha de Abreu, ao piano, tocando no filme Tico-Tico no Fubá. E mais, Marisa Prado, uma tecelã da fábrica de tecidos "Irmãos Pelosini" que deixou de tecer tecidos para tecer sonhos a convite de um diretor da companhia cinematográfica Vera Cruz: Estrelou o filme O Cangaceiro que ganharia um prêmio num Festival Internacional da Europa.

Se prestarmos atenção na região que circunda o Pavilhão Vera Cruz iremos encontrar marcas que lembram a fase de ouro do cinema nacional.

Por exemplo, quando se passa na rua Franco Zamppari, na Vila Euclides, bairro próximo ao Pavilhão Vera Cruz, logo vem à memória a figura do grande empreendedor artístico nacional Franco Zamppari que idealizou e concretizou essa fábrica de sonhos, aqui em São Bernardo : Companhia Cinematográfica Vera Cruz.



O Sonho Tecido Numa Fábrica


São João Climaco é um bairro da cidade de São Paulo que se localiza próximo à divisa com São Bernardo do Campo.

Lá, nasci e cresci, antes de vir residir em São Bernardo do Campo.

Atravessa o bairro de São João Climaco a Via Anchieta, que vai até o litoral paulista e passa também por São Bernardo do Campo.

Nesse bairro, próximo à Via Anchieta, eu passei minha infância e adolescência, que ocorreram entre os anos pré e pós-dourados do final da década de 1950 até meados da década de 1960.

O cinema e o livro constituíram-se, para mim, no mundo mágico da minha infância e adolescência.

Todos os domingos eu ia às matinês dos cinemas do meu bairro : o Cine São João Climaco e o Seckler.

Lá, eu alimentava o meu espírito com sonhos e conhecimentos trazidos pela tela mágica, inventada pelos Irmãos Lumière, da frança.

Eu não ia ao cinema sozinha, mas sim com um grupinho de amigas.

Lembro que, em um domingo, fomos assistir o filme Sai da Frente, estrelado por Mazzaropi e realizado pela Companhia Cinematográfica Vera Cruz.

Entre as amiguinhas que estavam me acompanhando ao cinema, havia uma, de nome Elza, que morava numa casa localizada na beira da Via Anchieta. Naquele tempo era comum os banheiros serem construídos atrás da casa, num espaço à parte. E costumava-se designar esse importante recinto numa linguagem mais chula, ou seja, “privadas”. Reporto-me a esse detalhe do banheiro para relatar que, num determinado momento do filme Sai da Frente, em que Mazzaropi passava com o seu caminhãozinho, o antológico “Anastácio”, exatamente na Via Anchieta, onde foram rodadas algumas cenas, avistamos aquele recinto importante para todos nós, nos fundos da casa da minha amiga. E todo o grupo que fora assistir o então famoso filme estrelado por Amácio Mazzaropi gritou em coro:

­­- Olha a privada da Elza...

É claro que todos que estavam no cinema voltaram os olhos para o local de onde partiu aquele coro.

Nunca mais esqueci esse entrevero!

Saí da minha infância e entrei na adolescência...

Naquele tempo, somente as famílias mais abastadas do que a minha tinham condições econômicas para proporcionar a continuidade dos estudos para os filhos, após terminarem o curso primário.

Eu, após terminar o meu curso primário, no grupo escolar estadual do meu bairro, não continuei os estudos e só voltei a estudar muito mais tarde.

Aos treze anos fui trabalhar numa fábrica, ali mesmo no meu bairro, localizada próximo à Via Anchieta, a Via que nos conduzia até a companhia cinematográfica Vera Cruz, a fábrica de sonhos. A fábrica que eu fui trabalhar, porém, era de tecidos.

Ali naquela tecelagem continuei tecendo sonhos e tecidos.

E, então, durante a semana eu engendrava tecidos. E nos fins de semana eu tecia sonhos, através do cinema, do livros e do teatro.

Na minha cabeça sonhadora de adolescente eu tecia o sonho de ser escritora ou atriz de cinema ou teatro.

Perseguindo esses sonhos, eu descobri que existia numa Sociedade Amigos de Bairro de São João Climaco, cuja sigla era SPM, um grupo de teatro que apresentava pequenas peças e esquetes no palco, dessa mesma sociedade. Fui procurá-la e passei a integrar esse grupo de teatro. Alguns dos seus integrantes vieram a participar de fotonovelas que eram muito aceitas, na época. Outras fizeram teatro na Companhia Cinematográfica Vera Cruz e até participavam como figurantes.

Um dia, Tereza, minha única irmã que compartilhava comigo os mesmos sonhos, topou vir até a Companhia Cinematográfica Vera Cruz para solicitarmos a possibilidade de realizar um teste para ser atriz. Ela já era moça feita e muito bonita então, me apoiei nos seus dotes de beleza, achando que esse atributo daria muita sorte a ela e a mim. Um dia criamos coragem. Viemos até São Bernardo do Campo. Quando chegamos próximo à Companhia Cinematográfica Vera Cruz, ela perdeu a coragem na minha frente. Voltamos para casa, frustradas, sem tentar nada....

Mas continuamos a tecer sonhos através do cinema, do teatro e dos livros.

Seguimos caminhos diversos.

Minha irmã casou-se e teve filhos mas nunca perdeu o gosto pelo cinema. Mora em São Bernardo do Campo. Vive sonhando com um memorial da Companhia Cinematográfica Vera Cruz e continua, até hoje, sendo uma apreciadora compulsiva de filmes.

Eu, também na minha mocidade, vim morar em São Bernardo do Campo: a também cidade dos tecidos e dos sonhos. Estou aqui há trinta e cinco anos.

E sempre me emociono quando me aproximo da fabulosa fábrica de sonhos: o pavilhão da Companhia Cinematográfica Vera Cruz. Como também me sensibilizo quando passo por alguma fábrica de tecidas, muitas vezes desativadas como a ELNI, hoje sede do Sedesc, ou da Irmãos Pelosini, localizada numa travessa da rua Marechal Deodoro, e cujas batidas dos teares emudeceram.

São Bernardo do Campo, a cidade do móvel e do automóvel, é muito mais do que isso. E também a cidade dos que teceram e produziram tecidos e sonhos.




Thursday, January 05, 2006

 

O CEMITÉRIO DE CAMILÓPOLIS




Jorge Joaquim Magyar

Quando eu era menino, morávamos na Vila Lucinda, em Santo André. E no bairro vizinho, Camilópolis, em duas casas velhas, num só terreno, moravam duas tias, por parte de mãe.A visita a essas tias ocorria normalmente durante a semana, isso a cada dois meses mais ou menos, sem a presença de meu pai.Saíamos cedo, minha mãe cheia de sacolas com nossas roupas e alguma coisinha para as tias. Íamos a pé, cortando caminho pelos vários terrenos baldios e ruas menos movimentadas. Em uns 40 minutos lá estávamos, sem aviso prévio, para ficarmos o dia todo. Era sempre um passeio desejado.Não muito distante das tias, no mesmo bairro, há um cemitério, onde estão enterrados meus avós. A visita a esse local estava obrigatoriamente incluída no programa do dia.Mal a tarde começava e já nos dirigíamos ao cemitério. Do portão principal avistávamos seu tão familiar interior: o caminho principal, que vai da entrada até a capela e desta até o final, ladeado por árvores altíssimas, sempre dançando ao sabor do vento. Este, o vento, é presença constante naquele lugar.Antigamente os cemitérios eram construídos em montes e colinas, onde houvesse muito vento, pois acreditava-se que este dispersaria os miasmas que porventura existissem.Mas, parece que em todo cemitério, mesmo nos mais novos, sempre venta bastante. Será, mesmo, uma característica que lhe é inerente? Ou porque são lugares muito abertos, sem grandes obstáculos à passagem do vento? Ou será, ainda, que são espíritos correndo e brincando por entre as sepulturas do “campo-santo”?Bem, não sei! O que sei é que lá venta muito; um vento que se faz sentir também por seu murmúrio fantasmagórico por entre as árvores e túmulos, com seu ímpeto refrescante ou, por vezes, extremamente gélido.Esse som nos amedrontava sobremaneira, a ponto de não deixarmos minha mãe e minha tia nem por um minuto.Consistia o passeio em visitar os túmulos dos avós e depois mais uns 15 a 20 outros, de parentes e conhecidos delas; desconhecidos para nós. Muitos túmulos repletos de crisântemos brancos e amarelos, outros com alguns poucos, a homenagear aqueles que partiram: aqueles que morreram na flor da idade ou aqueles que muitas flores colheram a não mais caber nos braços...Invariavelmente elas começavam a falar de alguém, então para o respectivo túmulo nos dirigíamos. Aí, um nome puxa outro: túmulo da dona tal, de fulano de tal, do padrinho, daquela espanhola velha que morava em tal rua..., e assim íamos passando de túmulo em túmulo.A cada túmulo, uma história, nem sempre do morto; muitas vezes da família que ficou, da viúva que voltou a se casar, daquela que agora está muito doente ou daqueles que nunca mais foram vistos.Havia o túmulo da menina que morreu queimada, sobre o qual sempre tinha muitas flores e a recomendação para não se acender velas. Acreditava-se que ela fazia milagres. Ficávamos ali parados, olhando a foto daquela criança e impressionados com sua história, bem como dos seus possíveis milagres, contados com riqueza de detalhes por minha tia.O primeiro túmulo a ser construído no cemitério era também sempre visitado, acompanhado do comentário:“É, este foi o primeiro a ser enterrado e ganhou o túmulo. Tão simplesinho esse túmulo, merecia algo melhor!”No final do passeio, também íamos ao ossário, onde a luz dos últimos pedaços de velas, praticamente se extinguindo, anunciava o final do dia.O ossário é uma enorme caixa de cimento, com apenas uma portinhola de ferro, tendo uma cruz vazada no meio, que fica após a capela, do lado direito, junto ao muro lateral.Ali, a curiosidade momentaneamente vencia o medo e tentávamos olhar através da cruz para o interior daquela caixa escura, buscando ver ossos e, quem sabe, um esqueleto humano.Já na saída do cemitério, quase junto ao portão, há uma jaqueira, que vez ou outra encontrávamos com fruta. Uma única jaca, sinal da vida que continua a produzir frutos, mesmo em lugares destinados a acolher corpos sem vida...Quando voltávamos para nossa casa, já com o sol se pondo e a penumbra se aproximando, passávamos ao lado do cemitério. Àquela hora, quase noite, quando os fantasmas da imaginação começam a despertar para suas aventuras noturnas, sentíamos um arrepio de medo e queríamos passar o mais rápido possível.Nessa época havia o boato da existência de uma “pessoa” que à noite, nas imediações do cemitério, pedia carona e depois sumia.Minha mãe, vendo nosso medo, tentava amenizar relatando um fato da época em que morava em sua cidade natal, no interior de São Paulo. Dizia ela:“Há muitos anos, meu padrinho, ao ficar viúvo, quase enlouqueceu, tamanho era seu amor pela esposa falecida. Então, por um bom tempo, todas as noites, à meia-noite, ele ia à cavalo ao cemitério e, defronte ao portão, ficava chamando por ela. E – completava minha mãe – nunca apareceu nada!”.“Devemos ter medo é dos vivos”, emendava ela.Mas, isso não era suficiente para apagar de nossa fantasiosa imaginação as histórias de mortos e almas que voltavam do além.Até mesmo o muro cor de terra, altíssimo, que acompanha a geografia interna do cemitério, naquele momento nos deixava aterrorizados, parecendo estar prestes a desabar sobre nós.Era, na verdade, o sinalizador aparente, porém irreal, dos limites entre dois mundos, guardião de histórias e memórias, tão vivas, evocadas pela presença de tantos mortos!

Tuesday, January 03, 2006

 

CIDADE DA CRIANÇA

Marilaine Favini


Ao atravessar a porta de entrada do local em que hoje trabalho, deparei-me com um novo cartaz: “A Cidade da Criança será revitalizada”. No cartaz não havia maiores detalhes, mas foi o suficiente para me ausentar por segundos...

Boas lembranças tenho daquele lugar; brinquei muito no tempo em que todos os brinquedos eram gratuitos e posteriormente depois da reforma, em que incluíram vários brinquedos pagos. Fui menos vezes então; mas gostava muito de andar de submarino. Até hoje eu gosto, talvez porque me reporte à sensação de suspense, curiosidade e aventura que sentia na época.

O trenó aquático que elevava a adrenalina com sua queda veloz e abrupta e espirrava água quando caíamos no tanque.

O jardim japonês que nos transportava aos desenhos do Super-Dínamo ou Godzilla.

O trenzinho que passeava por todas as ruas da parte I da Cidade. O cheiro e o colorido mágico da pintura que espirrava tinta ao girar na máquina, formando qualquer borrão vibrante que era enquadrado num papelão para enfeitar meu quarto.

Os escorregadores que propunham vários obstáculos.

O avião de verdade, que simulava vôos, e no qual brinquei somente em minha imaginação, porque seu ingresso fugia ao meu padrão financeiro.

O labirinto de espelhos, em que nunca entrei, porque tinha medo de me perder.

Acho que ainda tenho medo de labirintos, preciso me superar! Me parece que eu cheguei a entrar e comecei a chorar desesperada... será? Tenho uma vaga lembrança. Vou verificar se minha mãe se lembra deste fato.

A parte II, que imitava uma estação lunática. Lunática não, lunar - me corrigiam. Não tinha muitos atrativos, só duas naves feitas de concreto, com um boneco vestido de astronauta dentro; e a gente subia numa alta escada para espiá-los na janelinha. Tão sem graça. Ah, também tinham uns aviõezinhos que giravam e quando apertávamos o botão eles ficavam no alto! Desses eu gostava. Era o máximo controlar a altura do aviãozinho!

A parte III imitava a Amazônia; tinha o Bicho da Seda e um trenzinho parecido com o trenó aquático, mas que não caía na água. E tinha o passeio com barquinhos de verdade que trazia um misto de tranqüilidade - pelo silêncio - e pavor - pelo balanço do barco na água.

Lembro de uma vez que fomos com a tia Ivone. A Valéria, minha prima, não se conteve enquanto não entrou na “floresta” e tirou uma foto abraçada à estátua do indígena nu. Ela também era a própria índia: vivia sem roupa, quando criança.

Havia também um restaurante que imitava uma grande oca de sapé e o miniteatro de Manaus. Minha mãe sempre falava que ali haviam sido rodados vários filmes da antiga cinematográfica Vera Cruz. Ela contava que muitas pessoas do bairro trabalharam como figurantes em alguns filmes; e que durante a produção do Nadando em Dinheiro, com o Mazzaropi, ali havia dinheiro falso esparramado por todo canto. Isso atiçava minha imaginação. Como seria nadar em dinheiro? Mamãe dizia que tinha vontade e curiosidade de ver, mas trabalhava o dia todo nas Linhas Correntes... Minha mãe era tão bonita... O que será do pavilhão Vera Cruz? Está há tantos anos desativado, nem exposições acontecem mais lá! Um espaço tão central! Quando eu estava grávida da Fé assisti ali ao Auto da Arca do Inferno - será que é esse nome mesmo? Acho que é. Estava tão lotado, tinha sido tão divulgado que os organizadores tiveram que alterar a programação.

Bem, espero que a revitalização da Cidade da Criança traga alegria e boas recordações às novas gerações...

Escutei no final do corredor duas colegas chegando; cumprimentei-as e entramos para o trabalho.





 

VIA ANCHIETA

Marilaine Favini

Hora adiantada do dia, já anoitecia quando Ana Maria voltava de São Paulo, onde havia feito algumas compras para o Natal, na turbulenta rua 25 de Março.
Ao avançar pela via Anchieta, sentia a sensação de aconchego da cidade natal; revendo os bairros que a rodovia corta, adentrou seus pensamentos, embaralhando a imagem atual às imagens do passado...
Esta universidade grande que construíram do lado direito, não existia... será que é a UNIP? Não consegui ler o nome.
A Bombril e a Kolynos mudaram de nome tantas vezes! Questões financeiras.
Este prédio que era tão majestoso, também virou faculdade! Uniban! Onde o Vicentinho fez o curso de Direito, deputado federal, quem diria! Tive um colega no curso de Inglês que trabalhava aí. Era um desenhista de carros apaixonado pelo que fazia, acho que já deve estar aposentado.
Cortaram todas as árvores da Faculdade Metodista, fizeram um estacionamento: pelo menos agora dá para enxergar algum prédio lá dentro. Quando eu era criança, só via árvores e por mais que eu me esforçasse para enxergar algo dessa tal Metodista, não via nada.
Aqui está o Makro, onde será que era a Lafer, mesmo? Parece aquele galpão ali. Uma vez vim buscar a tia Cema aqui, com o tio Paulo. Tinha chovido muito. Era um barro só, uma área imensa. Me senti tão pequena naquele lugar desconhecido, procurando descobrir a empresa de que tanto falavam em casa.
Eu achava lindos aqueles carros que a firma fazia sob encomenda, coisa chique! E os móveis eram tão modernos!
Já está acabando o Rudge, do outro lado perto da minha mãe estão sendo construídos tantos prédios. Onde era o depósito do Uemura, agora tem só prédios, alto padrão!
Às vezes tenho vontade de vir no Extra, mas ficou tão trabalhoso este retorno por trás da Termomecânica.
Eu gostava muito de morar aí na Vila Marlene, era um lugar tranqüilo, familiar, passei minha infância aí. Saudades dos amigos, da escola, da igreja... Hoje está cheio de prédios! Devem ter amigos que moram ainda por aí.
A Mazzafero continua do mesmo jeito, também em alta! Lembro quando íamos à pé até a casa da tia Cema, no Planalto; era longinho, mas de ônibus era pior, vinha cheio e demorava.
A última reforma deste trevo ajudou bastante, mas não entendo este monumento de passarela de ferro, ela carrega o visual. Será que é obra de arte? Terá algum significado arquitetônico?
O restaurante Caravana está sempre cheio! Ficou muito tempo em baixa este ponto, desde que fechou a Trevolândia; mas recobrou o sucesso! Quero ir de novo aí.
É melhor parar de voar nas aconchegantes memórias da cidade, e prestar atenção no trânsito, pois acabei de ver um radar eletrônico em frente ao Banespa. Será que tinha algum escondido deste lado também? Mas posso ficar tranqüila, meu pé está automatizado e não pisa mais que sessenta por hora.
De volta ao trânsito, ela retomou seu caminho, agora já acomodada em seu espaço.

Thursday, December 08, 2005

 

NO MEU TEMPO DE JOÃO RAMALHO

Maria Elena Cabrini Libório


"No meu tempo de João Ramalho..." Era assim que eu começava meus discursos para comentar os tempos de ginásio com meus filhos.
O João Ramalho dos fins dos anos 50 e década de 60 marcou época. Passaram por lá médicos, advogados, contadores etc, hoje atuantes em São Bernardo. Até o atual prefeito passou pelo João Ramalho. Isso me faz sentir um tanto vaidosa, afinal cursei a melhor escola da época. Vinha gente até de São Paulo estudar ali.
Lembro do dia em que fiquei numa enorme fila para me inscrever no exame de admissão ao ginásio. Eu andava lentamente pelo jardim da casa - sim, porque ali havia sido a residência de Tereza Delta, uma prefeita meio lendária da cidade. Dizem que ela andava a cavalo e às vezes metia o chicote nos homens que lhe faltassem com o respeito. Ela doou o prédio para que o Estado instalasse ali a primeira escola secundária oficial do município.
Admirei o gramado muito bem cuidado, os chorões, as roseiras... O prédio era uma beleza. O piso do terraço, em cerâmica vermelha, brilhava de ofuscar a vista. Eu procurava me distrair com essas coisas para disfarçar o medo. Ainda nem havia feito a inscrição para o exame, e já temia não conseguir fazer meu curso ginasial. Meus pais não poderiam me pagar escola, e era ali, ou eu não estudaria. Havia me preparado bem, com a Dona Druzila, famosa no preparao de alunos para admissão ao ginásio. E eu era CDF, como se dizia dos alunos aplicados.
Consegui! E lá vivi o que tenho como momentos tremendamente importantes na minha vida.
A maior parte dos professores vinha de São Paulo. O professor Adir era muito pitoresco. Dava suas aulas de Português sob inspiração de frases ouvidas em jogos de futebol ou desfiles cívicos, ou uma placa que vira no caminho. Me lembro de uma aula sobre a voz passiva, em que tomou como base a placa "VENDE-SE CASAS". Eu amava as aulas dele! Um dia fui pedir para assistir sua aula em outra classe, pois estava com o horário vago; ele só permitiu porque eu havia me expressado corretamente, segundo disse. No exame oral me fez uma única pergunta: "Tudo são flores ou tudo é flor?" Eu eu fui aprovada, tendo respondido: "Tudo são flores". Há alguns anos fiquei sabendo que ele teve uma morte trágica: se atirou do Viaduto do Chá. Me custa crer!...
Matemática era o meu calvário. Depois veio o Latim. Cheguei a ficar para a segunda época. Tínhamos aulas de Ciências num laboratório com microscópio e até um esqueleto de verdade. O professor Vilela tinha uma acentuada deficiência visual, e a gente fazia cola na própria prova, a lápis, bem fraquinho. Até que ele acabou distribuindo as folhas de almaço e desbancou a gente.
Eu colava para desafiar os professores. Até com o famoso professor Firmo eu fiz isso, de raiva, porque ele mostrou a prova da minha amiga Élide para a escola toda, com um enorme zero vermelho - ela fora pega colando.
Nos dias de desfile na Marechal Deodoro usávamos uniforme de gala, e eu achava o máximo desfilar. Ensaiávamos durante as aulas de Educação Física, e me lembro do Antônio Pelosini, já falecido, que ia à frente da fanfarra com o surdo. O Fernandinho, aluno da Primeira Série C - a classe dos repetentes e indisciplinados - tocava repique como ninguém. Só não me agradava ser a última da fila porque era baixinha - de raiva, desfilava comendo pipoca. Até que um dia tive meu momento de glória: a Irene, não sei porque, entrou no banheiro arrancando a roupa de porta-bandeira e jogando no chão, xingando a Dona Celina, professora de Educação Física, e dizendo que não desfilaria mais. Por ser das poucas em que aquelas roupas serviram, e por desfilar bem - aprendera com um tio que fazia o Tiro de Guerra na época - saí à frente da fanfarra, com a bandeira do Brasil. Acabei sendo destaque da Folha de São Bernardo naquela semana, e fui elogiada pelo então prefeito Lauro Gomes de Almeida. (Aliás, foi dele que ganhei meu primeiro livro, ainda no grupo escolar). Como isso foi bom!
Em meio a tantos acontecimentos a escola foi crescendo, e acabamos indo para o seu atual prédio, na rua João Pessoa, que foi construído especialmente para abrigar a João Ramalho, e era bem maior. Na entrada ficavam expostos os muitos troféus conquistados em comepetições esportivas e pela fanfarra.
O laboratório ficava numa sala com janelões, pelos quais se viam grande parte das salas de aula e as escadas que davam para o pátio, embaixo. Era praticamente impossível controlar os alunos ali. Os professores se viam loucos, até que foram colocadas cortinas escuras e pesadas. Já no curso Clássico, tive aulas de Espanhol nessa sala, e o laboratório foi para o espaço do anfiteatro, próximo à sala dos professores e à diretoria. Hoje, a sala onde primeiro ficou o laboratório é chamada de "aquário".
No lado oposto ficava a biblioteca, onde muitas vezes a gente tomava os livros "emprestados" sem nenhum controle, pois esta era bem maior do que a do prédio antigo, e havia uma única atendente, que não dava conta da demanda.
Fazíamos festas para arrecadar fundos para a formatura e para o grêmio, e houve uma festa junina na qual minha classe ficou responsável pela barraca de maçã do amor. Não dávamos conta de passar a fruta na calda. Vendemos todas as maçãs prontas antes do esperado, e acabamos deixando de lavar as seguintes para apressar o processo; dizíamos que a calda quente mataria os micróbios. E dá-lhe maçãs do amor!
O "João Ramalho" já completou cinqüenta anos, e antigos alunos e funcionários foram convidados a colaborar no resgate de sua história. Tive o prazer de enviar algumas poucas coisas; mas, para mim, o melhor dessa história está no coração de cada um que por lá passou.

Tuesday, December 06, 2005

 

A RUA MARECHAL DEODORO

A histórica Rua Marechal Deodoro, parte do antigo Caminho do Ma

Jorge Joaquim Magyar


Início de dezembro: o sol de quase verão faz correr o suor pelo rosto e a roupa sufoca o corpo desejoso de banho. A multidão de consumidores que inundam as calçadas da rua Marechal Deodoro em busca de ofertas para preparação do natal que se avizinha contribui para potencializar o calor da tarde. Com muito ou pouco dinheiro, as pessoas, muitas pessoas, buscam no comércio a satisfação de necessidades típicas da época de Natal, exaustivamente alimentadas pelos meios de comunicação.

Na via, onde a impaciência toma forma nas buzinas acionadas sem maiores cerimônias, o trânsito lento e barulhento completa o cenário inimaginável em um passado talvez nem tão distante...

Na vã tentativa de fugir sem sair do lugar, as lembranças desse passado tornam-se presentes. Acho que sinto saudades da Marechal de outros tempos, parte do Caminho do Mar, centro único da então Villa – com essa grafia mesmo – de São Bernardo. Caminho tantas vezes percorrido pelos viajantes entre a capital e o litoral – único movimento a quebrar o ritmo de tranqüilidade reinante.

Caminho do povo da cidade, no seu ir e vir constante, fazendo e re-fazendo a vida acontecer. De terra, paralelepípedos ou asfalto, envolvida sempre por gente, foi e é testemunha privilegiada do cotidiano de trabalho local. Ali se localizavam a maioria das fábricas de móveis e tecelagens. Local também do comércio e do lazer: o Bar Expresso, o Cine São Bernardo, a Igreja Matriz, o Banco Noroeste, os campos de futebol do Palestra e do Esporte, o salão da Sociedade Italiana e a funerária, entre outros.

Palco de desfiles, comemorações e encontros – hoje praticamente impossível o encontro de um rosto amigo no meio da multidão apressada! O footing aos domingos; momentos de descontração, de flertes e conquistas, de amores e desamores, casamentos e decepções.

A Marechal de um tempo em que se permitia parar, cerrar as portas comerciais, em respeito a um enterro que passava. Tempo em que o caminhar era mais tranqüilo, sem pressa para se chegar em casa e ficar postado diante da TV.

Até um trenzinho chegou a ter. Este, percorria sua extensão desde a atual Praça Lauro Gomes até Santo André. Mas foi por pouco tempo, restando ainda por muitos anos parte de seus trilhos no seu leito.

A prefeitura também estava na Marechal; no local onde hoje fica o Paço Municipal só havia um armazém e a casa de Tereza Delta, depois Colégio João Ramalho.

A velha casa da Câmara ainda continua na Marechal. Local de decisões políticas desde o final do século XIX, foi sede da Intendência, Câmara Municipal, Gabinete de Prefeito...., enfim, sediou por muito tempo a Administração Pública da Cidade. Onde ela está mesmo?

Um choque com outro transeunte, desatento como eu – este distraído olhando vitrines com promoções – me traz novamente para o momento atual. É difícil acreditar que de fato essas lembranças são dessa rua; ela nem se parece com ela mesma...

Na verdade, todas essas lembranças não são minhas e sim de antigos moradores que inúmeras vezes relataram suas memórias referentes a essa rua. Sr. Mário, Sr. Julião, Sr. Luiz, Dona Floriza e tantos e tantas, que por horas ouvi, algumas vezes até mesmo impaciente, falarem de um tempo do qual não fiz parte.

Porém, mesmo não sendo minhas memórias, é como se fossem. Ao vir trabalhar em São Bernardo do Campo, em janeiro de 1992 – continuando a residir em Santo André até hoje –, a Marechal era para mim apenas mais uma rua, sem nada de especial, pela qual eu transitava todos os dias. Aos poucos, por força da atuação profissional, convivendo com moradores que eram/são portadores de parte significativa da memória local, comecei a enxergar além das aparências.

Assim, sem pedir autorização, aproprio-me de memórias alheias – ou já serão minhas também? Sinto saudades desse tempo vivido apenas pelas reminiscências, carinhosamente guardadas na memória, por vezes nostálgica, de homens e mulheres, na maioria anônimos, que aos poucos, também eles, vão se tornando memória.

Depurando o olhar, negando-se à pressa reinante, em meio à monótona uniformidade das fachadas de lojas, ainda é possível encontrar uma ou outra casa que guarda traços desse outro tempo.

O tempo passou, a cidade se transformou e com ela também a rua Marechal Deodoro, que guarda muito pouco de uma época em que São Bernardo se resumia a um pequeno povoado junto ao poeirento Caminho do Mar.

No entanto, a velha Marechal, ainda que sufocada, continua como espaço de referência, como caminho que corta e aproxima São Bernardo e sua gente.




 

O MARECHAL, O ESPELHO E O TRANSEUNTE

Rafael Alcântara de Oliveira

Um pincel sem ninguém para empunhá-lo é apenas um pincel. Um mundo sem ninguém para transformá-lo é um tédio. Uma rua sem o trânsito sempre congestionado e pedestres se amontoando pelas calçadas certamente não é a Marechal Deodoro.
Aquela rua no centro da cidade, fosse eu para onde fosse, sempre estava no meu caminho. Por mais que tentasse evitá-la, freqüentemente era obrigado a passar por lá. Atravessá-la era como uma corrida de obstáculos. Dentre eles, o maior era representado pelos inoportunos vendedores de cursos de informática, que espalhados estrategicamente pelos dois lados do calçamento, nunca aceitavam um “estou com pressa” como resposta. Só pararam de me infernizar quando, após terem me abordado uma centena de vezes, já me conheciam pelo nome, sabiam onde eu estudava e tinham se conformado com a idéia de que, por mais que argumentassem, não me convenceriam a fazer o tal curso avançado.
Tão inconvenientes quanto os vendedores eram as ciganas, que por qualquer quantia liam o futuro nas mãos dos transeuntes. Comparação injusta esta, pois os vendedores, ao menos, tomavam banho. Os vestidos coloridos envergados por estas mulheres certamente eram as únicas peças de seus vestuários e há muito não viam água.
Ultrapassados vendedores e ciganas, seguiam os pedintes. Estes, confesso, por vezes me comoviam. Jogados pelas calçadas expunham suas chagas, tentando ser notados por aqueles que os ignoravam. Era impossível manter-se indiferente diante de semelhante espetáculo de horror, mais parecido com um hospital que atende feridos de guerra - excluindo-se, obviamente, a parte do atendimento médico.
Os assaltos ali eram freqüentes. Roubavam-se bancos, transeuntes e até, acreditem, as migalhas recolhidas pelos pedintes. Certa vez, um ceguinho apanhou um desses meliantes que tentava surrupiar-lhe alguns trocados de dentro de sua caneca. Aplicou-lhe uma gravata, imobilizando-o, enquanto chamava por qualquer autoridade que pudesse atendê-lo. De fato, ou o bandido não era muito inteligente ou o ceguinho não era cego.
A Marechal Deodoro era uma rua onde a vida pulsava intensamente. Tudo que ali se via era o mais puro reflexo da natureza humana, tão cheia de altos e baixos. Aos que não gostam de si mesmos, por favor, não passem por lá.

Wednesday, November 23, 2005

 

O PAÇO MUNICIPAL

Aurora Fernandes Brito Munhoz

Em nossas caminhadas, nos deparamos com lugares, pessoas e eventos que nos marcam e ficam guardados para sempre em nossas memórias. Por volta de 1980, ao passar no centro de São Bernardo fiquei impressionada com o imenso Paço Municipal, o enorme prédio de dezenove andares, os chafarizes e outras peculiaridades arquitetônicas. Uma colega comentou comigo que ali era uma área privilegiada, pois se tratava do Paço Municipal, coração de São Bernardo. Disse que nos finais de semana era sempre bem movimentado, por ser conhecido por alguns como roteiro das artes. E que costumava passar as tardes ali, pois gostava de ver os rapazes fazerem manobras radicais na pista de skate, de muros coloridos marcados pelos pichadores e bem festejada pela garotada; como também de ver os shows com cantores populares, passear pelo Chopão e ver as novidades. E por fim era costume passar no McDonald’s que era o único da cidade.
Na época do Natal eu e minhas colegas combinamos de ir à noite, pois o local ficava muito bonito com um lindo presépio; tanta beleza me causou fascínio. Elas comentavam algumas coisas, mas eu nem prestava atenção, ficava observando cada detalhe. Entre tantos eventos acontecidos, alguns tiveram destaque, como foi o caso de um comercial que foi gravado com crianças das escolas de educação infantil. As crianças corriam com bandeirinhas do Brasil nas mãos e depois formavam com os corpos a palavra “democracia.” Este foi bastante comentado pela população são-bernardense.
Nos finais de semana comecei a ir com freqüência à tarde; gostava de ver em um dos espelhos d’água os peixes (carpas e as tilápias), bem como as crianças brincando com seus familiares. Fui também com a turma da escola ao Teatro Cacilda Becker.
Em 2004 retornei em uma tarde ao Paço com minha família para assistirmos a apresentação do coral da Escola Municipal de Educação Básica Aldino Pinotti. Além da apresentação do coral também estava programada a participação do cantor Toquinho. Infelizmente o evento não aconteceu, pois caiu uma forte chuva. Por ser um local castigado pelas enchentes, os organizadores optaram pelo cancelamento da festa. Esta área tornou-se alvo de reportagens sempre que chovia além do previsto.
No inicio deste ano o jornal Diário do Grande ABC divulgou uma notícia, cujo conteúdo notificava sobre o projeto de construção de um novo Paço Municipal. As mudanças tornaram-se sinais visíveis nessa área tão privilegiada de nosso município: o prédio e algumas de suas peculiaridades arquitetônicas já não são mais visíveis, outras estão desativadas. É o caso do espelho d’água. No entanto permanece a memória, fundamental porque nos traz a idéia de vida e nos fortalece para que caminhemos na expectativa de outros momentos marcantes.

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